Divórcio

Duas advogadas explicam as diferenças do antes e do depois (Jornal Público 12-Jan-2011)

Nova Lei do Divórcio: duas advogadas explicam as diferenças do antes e do depois

2008-12-01 08:51 Por Natália Faria
O PÚBLICO pediu a Rita Sassetti e Arménia Coimbra, duas advogadas com décadas de experiência na área do Direito da Família, que, face a casos concretos, explicassem as diferenças práticas entre a anterior lei do divórcio e a que hoje entra em vigor
Casos apresentados pela advogada Rita Sassetti:

CASO 1 (Divórcio):

A Maria e o Pedro estão casados sob o regime da separação de bens. A Maria é dona de um vasto património imobiliário, constituído por vários bens imóveis (casas e terrenos) e que foi adquirindo ao longo da sua vida, quer enquanto solteira, quer já depois de casada. Dez anos depois do casamento, a Maria tem uma relação extraconjugal, de que resulta o nascimento de um filho, abandonando a casa de morada de família logo que o Pedro descobre essa relação.

 

Lei antiga:

O Pedro teria todo o interesse em interpor uma acção de Divórcio litigioso intentado contra a Maria com fundamento na violação dos deveres conjugais porque, face à situação factual, facilmente obteria do tribunal a “declaração de único cônjuge culpado” e, posteriormente, em sede de partilhas, a Maria nunca poderia receber mais do que receberia se estivesse casada segundo o regime da comunhão de adquiridos. Tal significava que, em termos de partilhas, haveria uma “compensação” patrimonial para o Pedro (a “vitima” do divórcio) e uma penalização para a Maria: parte dos seus bens seriam divididos com o seu ex-marido.

Lei nova:

Deixa de haver divórcio litigioso e, consequentemente, deixa de ser possível obter a declaração de “cônjuge culpado”.

CASO 2 (Regulação do Exercício do Poder Paternal- Pais casados):

A Inês e o Nuno são casados há 10 anos e têm três filhos com 8, 6 e 3 anos. Ambos decidem pôr fim ao casamento, pedindo o divórcio por mútuo consentimento mas, não estão de acordo quanto ao poder paternal, porque a Inês entende que a guarda dos filhos lhe deve ser entregue bem como o exercício do poder paternal, isto é, todas as questões importantes relacionadas com a vida dos filhos, tais como a educação, saúde, frequência de estabelecimentos de ensino, escolha de educação religiosa, etc, deverão ser tomadas também por si. O Nuno entende que ambos os progenitores devem tomar essas questões em conjunto e/ou por acordo.

Lei antiga:

O Tribunal não podia impor o exercício conjunto do poder paternal, isto é, ou ambos os progenitores aceitavam o exercício conjunto ou, na falta de acordo entre os progenitores, o exercício seria entregue ao progenitor que tivesse a guarda dos filhos menores.

Lei nova:

Vigora a regra de que “as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores”. (nota: a nova lei impõe que a expressão “poder paternal” deve ser substituída pela expressão “responsabilidades parentais”). Esta regra aplica-se de igual modo aos pais não casados mas com a filiação estabelecida a favor de ambos.

Caso apresentado pela advogada Arménia Coimbra:

Luísa casou com Francisco em 1970 sob o regime da comunhão geral de bens; colegas de faculdade, ambos alunos brilhantes, licenciaram-se em medicina e iniciaram as respectivas carreiras profissionais; o Francisco fez a especialidade médica de cardiologia, a par com a carreira universitária, a Luísa optou pela carreira de saúde pública e ocupou um lugar no centro de saúde da cidade onde residiam. Do casamento nasceram quatro filhos. Para educar e acompanhar os filhos do casal, na sua formação e educação e para assegurar o governo doméstico, a Luísa foi renunciando a vários convites para a investigação científica, mantendo-se na carreira de saúde pública, desempenhando o seu lugar com responsabilidade, mas dedicando-se aos filhos do casal, à família e ao governo da casa. A família desfruta de um elevado padrão de vida, fruto dos rendimentos profissionais auferidos pelo Francisco. Na pendência do casamento ambos os cônjuges receberam bens por sucessão hereditária, por óbito dos respectivos pais, e adquiriram outros de elevados valor, por serem muito significativos os proventos auferidos pelo marido na sua clínica privada. Separaram-se em 2000, por ter o Francisco passado a viver maritalmente com uma outra senhora. Um dos filhos do casal é ainda de menor idade. Actualmente estão ambos à beira da reforma da função pública, ele auferirá uma pensão de reforma de 4.500€ e continuará a exercer clínica privada, ela auferirá a pensão de reforma de 1.600€. A Luísa é católica dedicou toda a sua vida pessoal à família; com o divórcio perdeu a realização da sua vida e a tranquilidade de uma velhice na companhia do seu marido.Lei antiga:

A Luísa, a seu pedido, obtém sentença judicial que decreta o divórcio com culpa exclusiva do Francisco; não querendo a Luísa divorciar-se, o Francisco só pode pedir o divórcio decorridos três anos de separação de facto.

 

Lei antiga:

  • É-lhe atribuída uma pensão de alimentos a pagar pelo Francisco de modo a que mantenha após o divórcio o mesmo nível/padrão de vida que usufruía na pendência do casamento.
  • A partilha dos bens far-se-á de acordo com o regime convencionado entre os cônjuges, da comunhão geral, ou de acordo com o regime da comunhão de adquiridos, dependendo daquele que beneficiará a Luísa, enquanto cônjuge inocente; há que verificar, no momento da partilha, qual o regime que, em concreto, penaliza o Francisco, cônjuge culpado, se o regime da comunhão geral se o da comunhão de adquiridos; se o Francisco tiver levado para o casamento por sucessão hereditária bens de valor superior aos bens herdados pela Luísa o regime da partilha será o da comunhão geral (para ambos) para não sair beneficiado o Francisco; caso contrário será a partilha efectuada segundo o regime da comunhão de adquiridos (esta interpretação não é pacifica, este é o actual entendimento da recente e maioritária jurisprudência, mas nem sempre assim se entendeu esta “sanção”, a anterior jurisprudência e doutrina entendiam que o cônjuge culpado não comungava nos bens levados por sucessão para o casamento pelo cônjuge inocente, mas este comungava nos bens levados por sucessão pelo cônjuge culpado).
  • A Luísa obtém indemnização a suportar pelo Francisco pelos danos resultantes da dissolução do casamento.
  • O exercício do poder paternal do filho menor é atribuído à mãe, à guarda de quem fica o menor e com quem residirá, especificando-se os dias de visita e de estadia do pai com o menor; é fixada uma pensão de alimentos a prestar pelo pai de acordo com as necessidades do menor e com as possibilidades do pai.
  • O menor poderá ausentar-se do país só com a autorização da mãe, devendo a mãe ouvir o pai antes de tomar decisões sobre assuntos de relevada importância na vida do menor.
  • A casa de morada de família, seja arrendada ou bem comum dos cônjuges ou bem próprio de qualquer um deles, é atribuída à Luísa, de acordo com os interesses da família; se for bem próprio do Francisco ou bem comum do casal poderá ser fixada uma contraprestação mensal a pagar pela Luísa ao Francisco, e se este a requerer. Lei nova:
  • A Luísa ou o Francisco obtêm sentença que decrete o divórcio, a pedido de qualquer um deles, sem declaração de culpas, após a separação de facto entre os cônjuges por mais de um ano.

 

Lei nova:

  • A Luísa não tem direito a qualquer pensão de alimentos que lhe reponha o mesmo nível de vida que tinha na pendência do casamento.
  • Na partilha dos bens a Luísa e o Francisco recebem, cada um deles, os bens que herdaram dos seus pais e metade dos bens adquiridos por ambos na constância do casamento.
  • A Luísa obtém uma compensação monetária sobre o Francisco pela renúncia à sua vida profissional na pendência do casamento, por se ter dedicado à vida em comum, indemnização a fixar pelo tribunal e que a compensará de todos prejuízos patrimoniais que sofreu por força dessa renúncia, desde que prove que essa renúncia à carreira profissional foi excessiva (pelo trabalho que despendeu no lar ou na educação dos filhos) e que a sua situação patrimonial, após o divórcio e por causa deste, a deixou numa situação patrimonial “empobrecida” em relação à situação patrimonial em que fica o Francisco.
  • As responsabilidades parentais, quanto ao filho menor do casal, são, por acordo ou fixadas pelo tribunal, assumidas em comum por ambos os cônjuges, no que diz respeito às questões de particular importância na vida do menor e à semelhança do que acontecia na pendência do casamento; porém, deve ser fixada a residência do menor com um dos progenitores, ao qual cabe tomar as decisões relativas aos actos da vida corrente do menor, devendo o outro progenitor ser informado sobre o modo de exercício quanto à educação e às condições de vida do filho menor.
  • Se o regime fixado para a convivência do filho menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais não for cumprido por qualquer um dos progenitores, repetida e injustificadamente, recusando-se, por exemplo, um deles a entregar o menor ao outro, atrasando ou dificultando significativamente a sua entrega ou acolhimento, o infractor é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.
  • Se o progenitor obrigado legalmente a prestar alimentos, estando em condições de o fazer não os prestar no prazo de dois meses seguintes ao vencimento é punido com pena de multa até 120 dias.

As diferenças quanto às alterações introduzidas pela nova lei (NL):

1ª – O Francisco não é declarado culpado no divórcio, no entanto, a Luísa pode requerer indemnização civil a suportar pelo Francisco pelos danos morais sofridos pela violação dos deveres conjugais.

2ª- O divórcio pode ser pedido pelo Francisco, apesar de ter sido ele a violar os deveres conjugais e não querendo a Luísa divorciar-se, logo que a separação de facto entre os cônjuges se verifique há mais de um ano.

3ª- A Luísa não beneficia, na partilha, da comunhão nos bens recebidos pelo Francisco por herança dos seus pais.

4ª- A Luísa não é indemnizada pela dissolução do casamento nem tem direito à pensão de alimentos a prestar pelo Francisco para a manutenção do mesmo padrão de vida.

5ª- A Luísa obtém o direito à compensação na partilha por ter saído “empobrecida” do casamento, ou seja, por ter renunciado à sua carreira/vida profissional, em prol da vida em comum, indemnização a fixar pelo tribunal de acordo com os seguintes parâmetros: o “empobrecimento” da Luísa e o “benefício profissional” obtido pelo Francisco em função das opções de vida e dos sacrifícios pessoais de cada um na pendência do casamento.

6ª- Quanto ao filho menor a NL consagra expressamente que as responsabilidades parentais pertencem a ambos os pais no que diz respeito às questões de particular importância da vida do menor, porém, a diferença mais relevante é a criminalização da conduta do progenitor que falta ao cumprimento das suas responsabilidades parentais.Notas pessoais

  • O actual regime jurídico, apesar de ter deixado de consagrar benefícios e direitos ao cônjuge não culpado, tais como a pensão de alimentos para a manutenção do padrão de vida, os danos morais pela dissolução do casamento, criou um novo instituto – o crédito compensatório do cônjuge “empobrecido” sobre o cônjuge beneficiado.
  • Se o actual regime é mais benéfico ou não do que o anterior, dependerá da nossa jurisprudência.
  • O cônjuge não culpado no divórcio, o cônjuge credor do direito à indemnização pela dissolução do casamento, o cônjuge credor de alimentos para a manutenção do mesmo padrão de vida não mereceu especial atenção da nossa jurisprudência.
  • Excepcionais são as sentenças que fixam indemnizações pela dissolução do casamento; excepcionais são as sentenças que fixam danos morais pelas violações dos deveres conjugais, excepcionais são as sentenças que fixam alimentos para a manutenção do mesmo padrão de vida.
  • A consagração destes direitos e benefícios ao cônjuge deles titular apenas tem relevado nas negociações entabuladas entre os advogados dos cônjuges para a obtenção dos acordos para o divórcio ser decretado por mútuo consentimento.
  • O actual regime assenta na valorização das relações afectivas em detrimento das lógicas patrimoniais ao facilitar juridicamente o divórcio em defesa do bem-estar individual de cada um dos participantes nesta comunidade de afectos, que são os cônjuges e os filhos.

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